terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Capitalistas medrosos e fumadores ressacados

CAPITALISTAS MEDROSOS E FUMADORES RESSACADOS


João Miguel Tavares
jornalista
jmtavares@dn.pt
1Imaginem que eu recebia um convite para ir escrever no Público. Batia à porta do director do DN e dizia-lhe: "Pagam-me melhor e eu vou-me embora. Mas queria continuar ligado ao DN. Se a coisa correr mal eu volto." João Marcelino passava-me a mão pelo ombro, dava-me uma pancadinha nas costas e retorquia: "Ó João Miguel, estás à vontade, pá. Vai lá para o Público. Cá estaremos se te aborreceres." Seria possível esta conversa acontecer no mundo real? Eeerh não. Mas o pessoal dos bancos não vive no mundo real. E por isso Armando Vara pediu à Caixa Geral de Depósitos, com todo a lata do mundo, que o deixe ir para o BCP mantendo o vínculo à casa. Convenhamos: isto é ridículo. É certo que Armando Vara se transformou no homem que o País adora odiar. É amiguinho de Sócrates, fez carreira a partir do aparelho do PS, chegou longe com poucos estudos, esteve acusado de trafulhices várias, recebeu um megatacho na administração da Caixa. Mas ele também não faz muito por melhorar a sua popularidade. Vara é a prova de que mesmo dentro de um administrador milionário bate um coração de sindicalista, desejoso acima de tudo de manter um emprego para a vida. Os capitalistas desta terra parecem aqueles jovens adultos que querem muito parecer emancipados e ter o seu próprio apartamento, mas que depois vão aos domingos a casa da mamã deixar a roupa suja e buscar tupperwares com comida. Armando Vara não se contenta só com os tachos - ele quer um armário para os guardar.

2 Nunca tive tanta noção de o tabaco ser uma droga como nos últimos 15 dias, após ler textos alucinados por parte de colunistas habitualmente respeitáveis como Vasco Pulido Valente ou Miguel Sousa Tavares. O que eles têm escrito sobre a nova lei do tabaco, deitando mão a comparações que deviam envergonhar qualquer pessoa que tenha lido dois livros de História, é de tal modo inconcebível que só se explica pela carência de nicotina. Eles fingem que um café inundado de fumo é coisa que não incomoda ninguém. Eles chamam fascismo a uma decisão que chateia dois milhões de portugueses e protege oito milhões. E Sousa Tavares conseguiu mesmo a proeza de afirmar no Expresso, sem corar de vergonha, que a lei faz "lembrar, irresistivelmente, os primeiros decretos antijudeus da Alemanha nazi". Ora, isto não é texto de um colunista prestigiado - isto é conversa de um junkie a quem o dealer cortou na dose. Faço, pois, votos que os fumadores descompensados acabem de ressacar rapidamente, para o bom senso regressar e nós podermos voltar a lê-los com gosto.
("Diário de Notícias", 15.01.2008)

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